Itaú Galeria, São Paulo, SP, 1994

Germana Monte-Mór desenha com asfalto frio sobre o papel. O papel (papel de arroz, papel de seda, papel-manteiga) é leve, cheio de transparências; o asfalto é pesado, compacto. A relação figura/fundo se inverte. Frágil demais para sustentar o desenho, o papel parece sustentado por ele. A massa do asfalto, como a de um buraco negro, suga para dentro de si a matéria que no papel se encontra pulverizada em manchas e impurezas superpostas. Sem o desenho, essas manchas seriam apenas variações de luz. Graças ao desenho, se transformam em espaço.

A análise do traço reforça a primeira impressão. Quase não há nele resquício do gesto que o produziu. O ponto onde a linha se interrompe, que em geral é marcado espontaneamente por um apoio mais forte, aqui se afunila numa forma arredondada, na qual seria difícil reconhecer a mudança de direção do pincel. A tinta não apresenta variações de densidade que permitam indicar onde o traço foi interrompido e retomado. Essa atitude talvez derive da formação da artista: Germana começou com a gravura, técnica que leva a uma relação mediata, controlada, entre o signo e o gesto. Mas  que importa é o significado que um traço tão denso assume agora, no contraste e no aparente desiquilíbrio dos novos materiais.

Não há, nesses trabalho, a vontade de uma expressão individual. O desenho não revela nada de seu autor nem de sua gênese: é uma realidade objetiva, indiscutível, autárquica. Se há hesitação ou arrependimento, eles estão no papel, na forma com que a tinta o encharca em certos pontos e em outro se limita a banhá-lo; ou nos rastros que o desenho recém-pintado deixa no verso da folha com que a artista o recobre, e que vêm à tona quando essa folha é embebida pela tinta de um novo trabalho. Assim, é o fundo que nos narra a história, enquanto o desenho se impõe como signo arquétipico, anterior a qualquer gesto, anterior até a forma. Apenas uma direção, uma orientação possível jogada na desordem dos fatos.